Terras de Sophia. Cascais.

Belo Farol Museu de Santa Marta
(Fotografia: Giovanna Araújo)



Há cidades acesas na distância

Há cidades acesas na distância,
Magnéticas e fundas como luas,
Descampados em flor e negras ruas
Cheias de exaltação e ressonância.
 
Há cidades acesas cujo lume
Destrói a insegurança dos meus passos,
E o anjo do real abre os seus braços
Em nardos que me matam de perfume.
 
E eu tenho de partir para saber
Quem sou, para saber qual é o nome
Do profundo existir que me consome
Neste país de névoa e de não ser.

(Sophia de Mello Breyner)



Quando aqui cheguei, o som das ondas chocava-se com um imenso rochedo e propagava-se por todo o entardecer. Era tarde, no tempo e na vida.
A cupidez já estava ali.

"A cupidez roendo o rosto nu do encontro"

Portugal se despia aos poucos de seus mistérios e eu começava a enxergar o significado de suas terras em meu caminho.
O mar ecoava a voz de Sophia e eu conseguia sentir toda a vibração. A menina do mar estava ali, a despir seus desejos e vontades. A menina do mar, ali, fazendo seu "ofício de poeta para a reconstrução do mundo."

Cascais. 30 minutos de Lisboa. 
Cascais. Onde o Atlântico beija (com ardor e fúria) os rochedos. 
A Vila, charmosa e descomplicada, observa o mar que a observa. 
Há, no hálito das ruas, um odor emblemático. A maresia perfuma as varandas das casas como se ali vivesse  desde o começo dos tempos e agrega, a toda a paisagem, um convite à navegação e ao passeio.
Andei à pé por Cascais, da maneira que mais gosto. O outono iniciava sua despedida e era possível sentir o frio que se aproximava. As árvores começavam a tiritar, desnudas.
As gaivotas atravessavam o céu como uma multidão em vontade de peixe e poesia. Criaturas aladas, carregam no bico a força de um som. 

Desconheço as pegadas de Sophia por estas bandas de Cascais. Tampouco sei se sua pena tocou a pele destas águas e, daqui, aspergiu vozes e versos.

... mas, há um Museu em Cascais que celebra toda a relação entre o que há de humano e o mar. 
No Museu de Santa Marta, avistei Sophia, entre as bússolas e os faróis, entre as cartas náuticas e o cheiro adocicado das espumas. Sua poesia recendia em todo local. Nada registrava seu nome. 
Nada, no Museu de Santa Marta, assinalava Sophia de Mello Breyner, poeta portuguesa. No entanto, ela estava ali, materializada tal qual o odor de búzios e ouriços... tão brilhante quanto a reluzente cor do farol.

Há, nas coisas, uma evocação de presença. 
Há, na pele do mar português, um carimbo encarnado de poesia.

Alternando instalações de exposição e o bom serviço de sinalização costeira, o Museu de Santa Marta apresenta a seus visitantes enormes lentes de Fresnel e se empenha em lembrar o belo ofício dos faroleiros...as noites marinhas ricamente iluminadas, a preocupação com os nevoeiros. 

Como não recordar o impacto da escrita de Sophia em meus dias de poesia?
Como não ouvi-la balbuciar, com seu sotaque cheio de charmosas acentuações, sobre a necessidade de escrever versos?
Como não senti-la tal qual experiente faroleira a derramar, no chão do poema, sua luz em versos?


"Sei que seria possível construir a forma justa 
De uma cidade humana que fosse 
Fiel à perfeição do universo"


Quedei ali por longos instantes... senti o poema me atravessar em través. 
A minha viagem teve início em Lisboa, mas foi em Cascais que meu caminho, pela terra de Sophia, efetivamente começou. Fora ali, aos pés do farol de Santa Marta, que eu soube o impacto que Portugal teria em minha vida.

Deixei o Museu de Santa Marta com a exata sensação de que algo muito forte me aguardava nas Terras de Sophia...e não vinha só. 
Respirei. Fundo.

Vista do Farol Museu de Santa Marta
(Fotografia: Giovanna Araújo)



De lá, segui os caminhos que me levariam à Garganta do Diabo...
mas, isto... isto é conversa para próxima postagem.
Lugar-Terra de outra Poesia.

                                                                      (continua)




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